Quando o oceano mexe com a terra
Poucos fenômenos naturais têm um impacto tão amplo, duradouro e imprevisível quanto o El Niño e a La Niña. Eles não são apenas nomes curiosos em espanhol: são forças climáticas que afetam chuvas, secas, inundações, incêndios florestais, produtividade agrícola, geração de energia, economia e até políticas públicas em escala global.
Neste post, vamos mergulhar fundo nesses dois gigantes do clima, explicar o que são, por que acontecem, como afetam o Brasil e, principalmente, como você — agricultor, produtor rural, estudante ou interessado em clima — pode se preparar e usar esse conhecimento a seu favor.
O Ciclo ENSO: Entendendo o Padrão
Antes de falarmos sobre o El Niño e a La Niña isoladamente, é importante entender que ambos fazem parte de um fenômeno maior, chamado ENSO (El Niño – Southern Oscillation) ou Oscilação Sul-El Niño.
O ENSO representa uma variação natural do sistema oceano-atmosfera no Oceano Pacífico Equatorial, que alterna entre três fases:
- El Niño (fase quente);
- La Niña (fase fria);
- Neutra (sem aquecimento ou resfriamento significativos).

A depender da fase em que o ENSO se encontra, assim o clima global pode ser influenciado de maneiras distintas — o que afeta diretamente a agricultura, os recursos hídricos e as populações em diversas regiões do mundo.
El Niño: Quando o Pacífico Ferve
O que é?
El Niño ocorre quando há um aquecimento anormal e persistente das águas superficiais do Oceano Pacífico Equatorial, principalmente nas porções central e oriental.
Esse aquecimento altera significativamente os padrões de vento e a pressão atmosférica, modificando, assim, o comportamento do clima em várias regiões do planeta.
Como se forma?
Para entender sua formação, considere os seguintes passos:
- Os ventos alísios, que normalmente sopram de leste para oeste no Pacífico, logo enfraquecem ou até invertem sua direção.
- Logo isso permite que as águas quentes do oeste do Pacífico se espalhem para o leste.
- Como consequência, a ressurgência de águas frias e ricas em nutrientes é inibida, assim alterando profundamente o ciclo climático oceânico-atmosférico normal.
Impactos climáticos do El Niño
Os efeitos variam de região para região, mas costumam ser os seguintes:
- América do Sul (costa oeste): chuvas acima da média, enchentes e deslizamentos.
- Austrália e Sudeste Asiático: seca severa, aumento de incêndios florestais.
- África: regiões como a Etiópia podem enfrentar secas ou, em alguns casos, chuvas extremas.
- América do Norte: invernos mais quentes no norte dos EUA e chuvas intensas no sul.
- Brasil:
- Sul: excesso de chuva, alagamentos e perdas nas lavouras.
- Centro-Oeste e Sudeste: primavera mais seca, resultando em atrasos no plantio.
- Nordeste: seca severa e possível crise hídrica.
La Niña: O Resfriamento que Reequilibra (Ou Desregula)
O que é?
Já a La Niña corresponde ao resfriamento anormal das águas do Pacífico Equatorial central e oriental. Contudo muitas vezes é considerada o “inverso” do El Niño, embora seus efeitos sejam distintos, e não meramente opostos.
Como se forma?
O processo de formação ocorre da seguinte maneira:
- Os ventos alísios se intensificam, empurrando as águas quentes ainda mais para o oeste do Pacífico.
- Logo isso permite que águas frias das profundezas oceânicas subam à superfície na costa da América do Sul.
- Como resultado, grandes áreas do Pacífico Equatorial tornam-se mais frias, gerando alterações climáticas consideráveis em várias partes do globo.
Impactos climáticos da La Niña
- Brasil:
- Sul: seca, risco de estiagens prolongadas e prejuízos na produção de soja e milho.
- Centro-Oeste e Sudeste: chuvas mais regulares e bem distribuídas.
- Norte e Nordeste: aumento das chuvas e recuperação de reservatórios.
- Austrália e Sudeste Asiático: chuvas acima da média, provocando enchentes.
- EUA (região sul): clima mais seco e quente.
- Pacífico Tropical: maior atividade de ciclones e furacões.

Agricultura e Clima: Impactos Diretos na Produção
Logo quando esses fenômenos se instalam, os efeitos sobre a agricultura são imediatos. Veja abaixo um resumo comparativo de impactos por cultura:
Cultura | El Niño | La Niña |
---|---|---|
Soja | Excesso de chuva no Sul afeta colheita | Estresse hídrico no Sul pode reduzir produtividade |
Milho | Plantio atrasado por seca no Centro-Oeste | Pode favorecer ciclo em algumas regiões |
Cana-de-açúcar | Deficiência hídrica no Sudeste | Chuvas regulares ajudam no desenvolvimento |
Café | Déficit hídrico prejudica florada | Florada mais intensa com chuvas regulares |
Feijão | Alta umidade favorece doenças | Condições ideais em regiões com boa distribuição |
Consequências econômicas
Além dos impactos diretos nas lavouras, destacam-se também:
- Aumento no preço dos alimentos devido a quebras de safra;
- Oscilações nos custos de produção, assim como irrigação, aplicação de defensivos e seguros;
- Influência nas exportações agrícolas, logo afetando a balança comercial e a receita de produtores e do país.
Previsões Climáticas: Como se Antecipar?
Hoje em dia, os fenômenos El Niño e La Niña são monitorados com modelos numéricos, satélites meteorológicos e sensores oceânicos, assim permitindo previsões com até 6 meses de antecedência.
Fontes confiáveis:
Dica prática para produtores
Se a previsão for de El Niño. Logo é aconselhável reforçar sistemas de irrigação no Centro-Oeste e investir em armazenamento e drenagem no Sul.
Em caso de La Niña, fique atento à escassez hídrica no Sul e ao risco de doenças fúngicas devido ao excesso de umidade no Norte e Nordeste.
Curiosidades e Eventos Históricos
- 1997–1998: um dos El Niños mais fortes da história, causou prejuízos bilionários no mundo inteiro.
- 2010–2011: forte La Niña provocou seca no Sul do Brasil e enchentes históricas na Austrália.
- 2023–2024: o El Niño contribuiu diretamente para o ano mais quente já registrado na história climática global.
Como o Produtor Pode se Preparar?
Diante de eventos tão impactantes, logo algumas ações podem ajudar a reduzir riscos:
- Ajustar datas de plantio conforme as previsões meteorológicas;
- Diversificar culturas, diminuindo a dependência de uma única lavoura;
- Investir em infraestrutura, como irrigação, drenagem e armazenagem;
- Acompanhar boletins climáticos e participar de capacitações técnicas;
- Consultar agrônomos e meteorologistas locais, buscando estratégias personalizadas.
Conclusão
El Niño e La Niña são como maestros invisíveis que regem os ritmos do clima no planeta. Contudo compreendê-los vai muito além da curiosidade científica — assim uma ferramenta essencial de planejamento, especialmente para quem vive da terra.
Portanto, estar atento às previsões, agir com base em dados confiáveis e tomar decisões estratégicas pode representar a diferença entre o sucesso e o fracasso de uma safra.
Referencias:
INMET – Instituto Nacional de Meteorologia.
El Niño e La Niña: entenda os fenômenos. Brasília, 2023. Disponível em: https://www.inmet.gov.br. Acesso em: 17 jul. 2025.
NOAA – National Oceanic and Atmospheric Administration.
What are El Niño and La Niña? Maryland, 2024. Disponível em: https://www.noaa.gov/education/resource-collections/weather-atmosphere/el-nino. Acesso em: 17 jul. 2025.
EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária.
Impactos do El Niño e La Niña na agricultura brasileira. Brasília, 2022. Disponível em: https://www.embrapa.br/busca-de-publicacoes/-/publicacao/1123456. Acesso em: 17 jul. 2025.
CPTEC/INPE – Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos.
Fenômenos ENOS (El Niño – Oscilação Sul): monitoramento e previsões. Cachoeira Paulista, SP: INPE, 2024. Disponível em: https://tempo.inpe.br. Acesso em: 17 jul. 2025.
CLIMATEMPO.
El Niño e La Niña: o que são e como afetam o clima no Brasil. São Paulo, 2023. Disponível em: https://www.climatempo.com.br. Acesso em: 17 jul. 2025.

Kaoe Rauch é técnico agrícola e fundador da ConectaGrão. Com experiência prática no campo e forte conexão com o agro, escreve conteúdos que unem vivência rural, conhecimento técnico e olhar de mercado, sempre com o objetivo de aproximar produtores da informação que realmente importa.